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quinta-feira, 31 de julho de 2008

Noite de Verão (Inger à Beira Mar), 1889


“Eu não pinto o que vejo, eu pinto o que tenho visto.”
O ano de 1889 é determinante na vida artística de Munch. O século XX aproxima-se, os ventos de mudança da arte europeia fazem sentir-se na obra Noite de Verão (Inger à Beira Mar).
A atmosfera densa e escura onde se respira doença, os tons cinza e castanho dos quadros anteriores, dão lugar ao contraste sublime do branco pérola do vestido, ao azul do mar e ao verde das rochas graníticas.
Munch, tinha pintado a sua irmã Inger com um pesado vestido preto, símbolo da tradição norueguesa do século XIX, cinco anos antes. Agora, com o vestido pérola, a jovem resplandece sentada de perfil a olhar serenamente a profundidade do mar. Os traços finos do rosto revelam a sua beleza que ainda sobressai mais com os olhos fixos na água.
O oceano azul com reflexos brancos e avermelhados das nuvens, mostra as cores esbatidas do anoitecer que se aproxima. A noite que vem do interior das rochas quase toca a bainha do vestido, querendo tingi-lo de negro. Há penedos graníticos que ainda se deleitam com os últimos raios de luz, exalando uma suavidade de cores que se misturam com a tranquilidade do mar. Neste, se olharmos bem, vemos movimento humano. Atrás das costas de Inger, há um barco de pesca e uma linha de canas que sombreia as redes onde os peixes se debatem aprisionados.
A delicadeza da luz, das cores e da figura, harmonizam-se numa totalidade, levando a afastar-me devagarinho, depois da contemplação, para não perturbar o que está aí - um acto criativo sobre a solidão e a angústia que faz parte da existência humana.
Isabel Laranjeira

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Poesia


A MORTE VIVE
Sinto horror
cada vez que penso que posso pensar
e não ser mais feliz por isso, mas menos.
Ter consciência…é não ser sensato
mas viver agrilhoado a ideias, respirar por conceitos, transpirar filosofias;
exsudar teorias, vãs tolices!
Porque o momento é que conta e não o sentido do momento.
A minha existência é que é o verdadeiro Ser,
- pelo menos o meu –
e não a essência formal, a quididade da vida.
Viver, viver, viver e apenas viver,
porque a morte é o que penso dela
e eu que penso tanta coisa, não penso nada,
como a morte que não é nada, apesar de eu viver com a consciência dela.
27/03/1996
António Paulo Gomes Rodrigues

terça-feira, 15 de julho de 2008

ÉTICA E NEGÓCIOS

É uma ideia corrente que o mundo atravessa uma grave crise económica. Estamos em crise! É igualmente uma ideia corrente que a crise ainda agora começou; prevê-se que ainda vá durar bastante e não há previsão para quando a inversão deste estado de coisas.
E cada um de nós sente, individualmente, a crise. É o aumento constante do preço dos bens essenciais, em primeiro lugar dos alimentos. Há quem vaticine que não mais teremos alimentos baratos, principalmente cereais e seus derivados – e por arrasto a carne, já que os animais alimentam-se fundamentalmente de cereais.
É o aumento constante, quase diário no preço dos combustíveis. Há quem igualmente vaticine que o petróleo jamais descerá abaixo dos 100 dólares o barril e que a tendência é para um aumento constante do preço dos combustíveis. Com o aumento do preço dos combustíveis, todos os outros bens aumentarão, já que o seu transporte provocará o aumentará o seu custo final. Além disso, o aumento do preço dos combustíveis mostra-nos o quanto somos uma sociedade frágil. Bastou 3 dias de paralisação dos camionistas para as prateleiras dos supermercados ficarem vazias de produtos frescos e igualmente vazias ficarem as bombas de gasolina.
É o aumento constante dos juros dos empréstimos, principalmente dos empréstimos para habitação. Hoje em dia, a maior parte dos portugueses, principalmente dos mais jovens, têm crédito à habitação e as prestações mensais em crescendo, fazem com que tenham que frequentemente fazer contas ao ordenado, para ver se ele chega ao fim do mês. Tudo isto faz com que muitas famílias, por razões financeiras, comecem a passar um mau bocado. Isto justifica o aumento dos créditos mal parados, dos créditos de impossível cobrança. Mas se os últimos dados estatísticos nos mostram o aumento dos créditos mal parados, mostram-nos igualmente um aumento de novos pedidos de crédito. Isto parece um contra-senso e é-o efectivamente. Cada vez é mais difícil pagar o que se deve, mas cada vez mais se recorre ao crédito. De quem será a culpa?
Primeiramente das pessoas que não sabem fazer contas e aventuram-se em novos créditos, muitas vezes para coisas fúteis. Quantas vezes não conseguem resistir ao último modelo de telemóvel, ao último modelo de LCD, ou a um novo modelo de automóvel que acabou de sair, ou a umas férias de sonho, que irão tornar a vida futura um pesadelo.
Em segundo lugar a culpa é da sociedade consumista e capitalista em que vivemos que impõe padrões de vida baseados no consumo e exclui quem não quer ou não consegue preencher esses requisitos mínimos. A pressão social é de tal ordem que há pessoas que não olham a meios para atingir os seus fins consumistas.
Em terceiro lugar a culpa é dos bancos. Quando há créditos mal parados quem perde, inicialmente é o banco, que foi este que emprestou o dinheiro e não consegue reavê-lo. Mas se é assim porque continuam a fazer campanhas agressivas ao consumo e ao crédito? Não será porque cobram juros altíssimos, que as perdas que podem ter nalguns clientes são cobertas pelos ganhos obtidos por aqueles que religiosamente pagam as prestações ao fim do mês. Apesar dos créditos mal parados e da crise financeira mundial, os bancos continuam a apresentar lucros avultados e apesar dos seus administradores ganharem vencimentos astronómicos, as famílias desesperam para pagar os seus créditos no final do mês. As refinadoras continuam a ter lucros recordes enquanto as pessoas começam a deixar o carro em casa porque não têm dinheiro para o combustível. As grandes empresas de distribuição continuam a ter lucros obscenos e a abrir cada vez mais centros comerciais, enquanto as pessoas começam a ter dificuldade em comprar os bens essenciais.
O que está a acontecer? A crise não é para todos?
Parece que não, a crise é só para o consumidor, que paga cada vez mais. A crise é para o contribuinte, que desconta cada vez mais. A crise é para o trabalhador que não vê o seu salário aumentado ou vê o seu aumento a ser comido pela inflação.
O que faz falta?
Um pouco de ética no consumo. As pessoas têm de ter uma ideia correcta dos limites do seu consumo.
Uma ética nos negócios. As empresas devem saber repartir os lucros com aqueles que lhes possibilitam esses mesmos lucros: os trabalhadores e os consumidores. Repartir os lucros é atribuir salários dignos aos trabalhadores e fazer uma política ética de preços aos consumidores.
Uma sociedade calvinista, sem ética, onde a regra que impera é a regra cega do mercado ou mais correctamente a regra do vale tudo, é uma sociedade condenada ao fracasso. E o fracasso está a um passo pequeno.
António Paulo Gomes Rodrigues
Publicado no Terras do Baroso

sábado, 12 de julho de 2008


Só conta a realidade, que os sonhos, as expectativas, as esperanças apenas permitem definir um homem como sonho malogrado, como esperança abortada, como expectativa inútil.
Jean-Paul Sartre

A era do humanismo moderno como modelo escolar e educativo foi ultrapassado porque se tornou insustentável a ilusão de que as estruturas políticas e económicas de massas podem ser organizadas segundo o modelo amigável da sociedade literária.

Peter Sloterdijk

sexta-feira, 11 de julho de 2008

As Beguinarias Flamengas

No século XII surgiram comunidades semi-religiosas semi -laicas nas cidades do Norte da Europa, nomeadamente na Flandres. Não se sabe concretamente a origem das “beguinas” – mulheres piedosas e devotas. Há estudiosos que atribuem o termo “beguino” a Santa Beggue, que teria fundado um mosteiro na Flandres em 961. Outros consideram que teria sido o Padre Lamberto de Breges, falecido em 1177, o fundador das beguinarias. Há também quem considere que a palavra “beguino” poderia ter vindo do germano, de beggen, que significa orar, mendigar.
Estas comunidades eram constituídas por mulheres, muitas delas cultas, viúvas e deserdadas que procuravam a vida contemplativa. Distinguiam-se das ordens monásticas e apenas o bispo exercia vigilância sobre elas. Eram mulheres que tinham liberdade de acção e de pensamento, reunindo-se para orar e praticar o bem. Faziam votos de obediência e de castidade, contudo, podiam subtrai-se a estes votos se o desejassem sem serem condenadas ou banidas como as religiosas das ordens monásticas. Não faziam votos de pobreza. Muitas eram ricas, possuindo propriedades e bens que administravam a favor dos necessitados. Estas piedosas mulheres teciam, lavavam e tingiam roupa com abnegação a fim de aumentarem a riqueza que revertia a favor dos pobres. Faziam primorosamente renda de bilros e croché, que se tornou tradição na Flandres, observando-se ainda hoje, em muitas janelas das casas, cortinados de fino croché. As mulheres que integravam as comunidades tornaram-se célebres pelas suas boas acções. Ajudavam os idosos, os doentes e acolhiam os necessitados.
Desde manhã até ao pôr-do-sol as portas das beguinarias encontravam-se abertas, no sentido de aí entrar quem necessitasse de ajuda.
Estas peculiares comunidades de devotas mulheres eram governadas por uma “grande-dama” ou groote juffrouw. As beguinarias maiores tinham por vezes quatro “grandes-damas”, como a de Louvaina, que hoje está integrada na Universidade.
As “beguinas” foram descritas como “quadros românticos” pela literatura flamenga.
Hoje, essas mulheres devotas já não ocupam as beguinarias, restam poucas sobreviventes que, preocupadas, não sabem o futuro destas comunidades quando falecerem.
A Unesco considerou as beguinarias flamengas Património Cultural em 1998.
Se hoje já não há mulheres virtuosas que perpetuem o legado do passado das “beguinas”, fica na memória do viajante e nas fotos de um instante, um quadro romântico destas comunidades de mulheres, que nunca mais se apagará.
Isabel Laranjeira docente de Filosofia da Escola Secundária Frei Rosa Viterbo - Sátão

terça-feira, 1 de julho de 2008


Aquele que tem um porquê por que viver consegue suportar quase todo o como.
Nietzsche