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domingo, 28 de março de 2010

JORGE LUÍS BORGES - NO LABIRINTO DAS PALAVRAS



« (…) o texto é um campo aberto onde cada leitor deposita as suas esperanças, os seus desejos, a sua cultura. A obra só vive quando sobre ela se depositam os olhos do leitor.»
Jorge Luís Borges (1980)

« (…)[Borges] não se limitou a produzir e a estudar literatura, mas acabou por fazer de si mesmo e dos seus textos o próprio espaço da literatura. E levou tão longe este processo que no conjunto da sua obra temos dificuldade em separar o que é do domínio da ficção, do domínio da poesia e do domínio do ensaio»
E. Prado Coelho (2001)

Afinal, há coincidências! Desafiada, dias antes, para escrever para a Katársis um texto em torno da figura literária de Jorge Luís Borges - um dos grandes criadores do século XX de cuja obra conhecia quase nada - o acaso das minhas leituras de fim-de-semana trouxe-me duas vezes o, considerado por muitos, maior escritor argentino.
Primeiro, foi uma curta citação que reproduzo: «Se tens algo a dizer ou uma mensagem a comunicar, escreve uma carta. Um romance é para contar uma história»; depois, surpreendentemente, num artigo sobre música, retomavam-se reflexões borgianas sobre autoria e interpretação da obra da arte na sua relação com os contextos de produção e de leitura. Pelo caminho, era lembrada a sua personalidade enigmática e fascinante e referidos dois dos seus contos mais famosos: “Pierre Ménard, autor do Quixote” e “A Biblioteca de Babel”.
Então, ainda mais consciente da gravidade da minha ignorância, decidi que importava, antes de mais, ler de e sobre quem assim era citado e reconhecido como um autor de primeiro plano em todo o mundo. Do muito que aprendi, partilho, agora, convosco algumas notas bio bibliográficas.

O escritor que gostava de livros e de bibliotecas
Bisneto de marinheiro português e cidadão do mundo, autor de língua espanhola (ou quase bilingue, pois foi igualmente educado em língua inglesa) detentor de cultura universal, poliglota, Jorge Luís Borges, algumas vezes apontado como literariamente próximo de Pessoa, foi poeta, contista, ficcionista, crítico literário, ensaísta, professor de literatura, conferencista… e assinou obra de difícil classificação, constituída por largas dezenas de títulos dispersos pelos géneros poético, “fantástico”, policial e do ensaio filosófico.
Nascido em Buenos Aires em 1899, aí cresceu rodeado de livros na casa do avô paterno; educado depois por anos de Europa (Suíça e Espanha), para onde vêm em 1914, Jorge Luís Borges cultivará livremente fortes raízes culturais e familiares anglo-saxónicas, mas regressará ao país natal e à cidade da sua infância em 1923, para aí fundar revistas e publicar o seu livro de juventude Fervor de Buenos Aires em mágicos poemas de verso livre.
Sempre participando activamente na vida cultural do seu país, tornar-se-á director da Biblioteca Nacional da Argentina entre 1955 e 1973. Só o avanço da cegueira de que padecia desde 1938, hereditária, mas agravada na sequência de um acidente doméstico, o impedirá de continuar nesta profissão. Na última década da vida, viajará pelo mundo – incluindo Portugal - dando cursos e conferências que o vieram a revelar igualmente como um grande criador de literatura oral.
Morrerá em Genebra em 1986, depois de ter recebido vários prémios literários internacionais, mas nunca o Nobel da Literatura. Assim ficará na história das letras mundiais como “ o escritor que falhou o Nobel”.
Do conjunto da sua obra constam títulos famosos, que se inscrevem já nos clássicos na literatura contemporânea, como Discussão, História Universal da Infâmia, O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam, História da Eternidade, O Aleph, O Autor e Outros Textos, História da Eternidade, Ficções, Labirintos, Inquirições, Outras Inquirições, O Fazedor, O Livro de Areia, Atlas (1985) - a sua última obra publicada - que inclui poemas, impressões de viagens, notas e meditações sobre sonhos. Da sua obra poética destaque ainda para O Ouro dos Tigres, A Rosa Profunda e História da Noite.
Foi no espaço labiríntico destas páginas reveladoras de uma imensa cultura literária - preferentemente orientada para temas ligados às literaturas inglesa, greco-latina e oriental - que fui folheando, ensaiando leituras avulsas, em prosa ou em verso, autorizada pelo gosto do próprio Borges que dizia apreciar particularmente os livros que podem ser abertos em qualquer página sem decepção de maior.
Registo uma primeira e, para mim, curiosa conclusão: afinal, J. L. Borges nunca escreveu um romance enquadrável no grande género literário “filho” do século XIX e terá até afirmado: «No transcurso de uma vida consagrada principalmente à literatura, li poucos romances e, na maioria dos casos, só cheguei à última página pelo senso do dever. A sensação de que grandes romances como Dom Quixote e Huckleberry Finn são praticamente amorfos serviu para reforçar o meu gosto pelo formato do conto».
De facto, Borges é lembrado internacionalmente como um dos grandes criadores do conto moderno, reconhecido, sobretudo, pelos seus textos curtos que desenvolvem magistralmente todo um universo ficcional e poético de alucinação, sonhos, figuras literárias revisitadas, máscaras, espelhos e seus múltiplos reflexos, títulos surpreendentes e oníricos – sem ignorar o encanto mágico de Buenos Aires, juntamente com pampas, milongas e tangos - numa espécie de labirinto que, sem metáfora, é o próprio texto.
Estas são as “ficções” borgianas, histórias concisas de especulação fantástica que frequentemente surgem “mascaradas” de ensaio sobre temas eruditos ou tomam a forma de contos de aventuras ou policiais. Afinal, diferentes caminhos percorrendo o labirinto da natureza humana e dos seus esforços para chegar ao conhecimento completo e ordenado. Tentativas que podem falhar, mas nunca deixar desvanecer as crenças comuns, e revelam a paradoxal natureza do tempo, da linguagem e do pensamento, temáticas eternas do penetrante trabalho literário de Borges.
Jorge Luís Borges afirmava pouco conhecer da sua ascendência portuguesa, mas evoca muita vezes o avô, o coronel Francisco Borges, nos seus poemas. Cf, entre outros, «Os Borges», in O Fazedor, Lisboa, Difel, p.99.
Sendo certo que a sua obra em múltiplos aspectos se cruza e radicalmente se diferencia com/da de Fernando Pessoa, a verdade é que Jorge Luís Borges, em 1980, em entrevista a António Mega Ferreira, afirmava nunca ter lido Pessoa.

Professora Dulce Martinho

1 comentário:

Joana Rabelo disse...

Ficou faltando Cortázar e Adolfo Bioy Casares... ;)