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terça-feira, 19 de janeiro de 2010

AS PALAVRAS



Se fosse vivo Eugénio de Andrade faria hoje 87 anos. A sua poesia caracteriza-se sobretudo pela musicalidade das palavras. Como homenagem a um grande poeta português muitas vezes esquecido, aqui fica um dos seus poemas, escolhido ao acaso.

(Uma nota à parte: Hoje não há dinheiro para manter a fundação "Eugénio de Andrade", correndo o risco de encerrar as portas.

AS PALAVRAS

São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Eugénio de Andrade

3 comentários:

LIA disse...

Um poema exemplar sobre a força e a importância das palavras que, tanto podem ser fonte de conflitos como ponte de afectos.Depois segue-se a história das palavras como organismos vivos, que o homem destrói, quando são elas que, afinal, nos trazem a memória do passado, seja ele qual for.Até o da sua própria história.

LIA disse...

Em homenagem a Eugénio e ao post anterior, deixo aqui este seu poema:


Poema à mãe

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe!



Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos!



Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais!



Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.



Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura!



Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos...



Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!



Olha - queres ouvir-me? -,
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;



ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;



ainda oiço a tua voz:
"Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal..."



Mas - tu sabes! - a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu...



Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.



Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas...

Isabel disse...

Obrigada Lia por este poema tão lindo de Eugénio.

Em breve vou fazer um post de um poema de Miguel Torga. Gosto muito da força das palavras deste poeta do mundo rural.