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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

OS DEUSES DEVEM ESTAR LOUCOS

Este filme espelha, de forma aliciante e cómica, a diversidade cultural. A cultura varia no tempo e no espaço, varia de época para época, de lugar para lugar, pois não há uma única cultura, mas múltiplas culturas, as quais reflectem as diferentes maneiras como as comunidades se organizam e integram.
            Trata-se de um filme que nos conduz às deslumbrantes paisagens africanas, a um contexto espácio-temporal completamente diferente do nosso, proporcionando-nos ocasiões de reflexão a respeito de nós, dos outros e da forma como reagimos em relação a novas situações, em relação à mudança.
            O próprio título do filme «Os deuses devem estar loucos», já é bastante apelativo, levando-nos a reflectir sobre tudo aquilo que poderá fugir às nossas crenças, aquilo que poderá ser considerado como estranho, diferente, inusitado. Os deuses, para aquela tribo, representavam a ordem, a tradição, a moral; ao afirmar que eles enlouqueceram, já significa que algo está fugindo a essa normalidade, o que se retrata através do contacto com a civilização ocidental.
            O filme tem início no deserto do Kalahari (Botswana), numa pacata e semi-desértica paisagem africana, mostrando uma cena da vida quotidiana de um grupo pertencente a uma tribo. Um pequeno avião sobrevoa esse local e lança uma garrafa de coca-cola, símbolo da nossa civilização de consumo.
            Um elemento da tribo que por ali passava, ao deparar com aquele objecto, ficou repleto de curiosidade. Aquela garrafa é conduzida à tribo. Inventaram múltiplas e variadas utilidades para o seu uso e divertiam-se com a sua presença, até que o comportamento dos bosquímanos se começou a alterar, pois aquele objecto começou a ser disputado e a gerar conflitos, deixando de existir união naquela comunidade.
            Assim, o chefe da tribo, para pôr um ponto final no motivo da discórdia, decide entregar a garrafa aos deuses. Sim, porque para aquela comunidade, o aparecimento daquele objecto só poderia ter sido um descuido dos deuses.
            Durante a longa e conturbada viagem de Xixo, este vai-se defrontar com novas e inesperadas situações que tenta interpretar à sua maneira, segundo os seus padrões culturais. E é aqui que o filme nos proporciona momentos cómicos, em que nos rimos daquele «bom-selvagem», que é tão diferente de nós quer no seu aspecto físico, quer na linguagem que utiliza, quer na sua forma de ver o mundo, quer nas suas atitudes e comportamentos, … o que demonstra que nós olhamos o mundo, tendo como ponto de referência a nossa própria cultura e que, por vezes temos dificuldades em compreender aqueles que não partilham a nossa maneira de estar, que não têm a mesma visão do mundo, que não partilham as mesmas aspirações e convicções. Não nos apercebemos, por vezes, que nos rimos de nós próprios, da nossa imperfeição, das nossas opiniões pouco fundamentadas…
            O chefe da tribo procurou resolver os conflitos gerados por uma situação nova, o aparecimento da garrafa de coca-cola, seguindo a sua forma de compreensão da realidade. Face a um estímulo de mudança, ele reagiu de forma talvez exagerada, negando a existência daquele objecto e dizendo «não» à mudança. Mas, também não será isso que fazemos, na nossa cultura, quando nos defrontamos com situações de mudança? Não temos, também nós, dificuldades em lidar com as cada vez mais frequentes mudanças que sucedem na nossa sociedade? Não evidenciamos, nós, atitudes de rejeição perante aquilo que pode pôr em causa as nossas crenças?
            Aqui está uma grande proeza deste filme, que nos leva a observar o olhar de Xixo sobre a nossa sociedade, o nosso modo de viver, a nossa cultura. Leva-nos a ponderar e a reflectir sobre o «desenvolvimento» das sociedades que, em vez de simplificar as suas vidas, só as torna mais complexas e infelizes, ao que se contrapõe Xixo, que revela precisamente o que é viver com simplicidade e sinceridade. Afinal, as intrigas e conflitos farão parte de uma sociedade/ civilização onde o desenvolvimento/progresso material também constrói a discórdia?
            Temos, assim, o confronto entre duas culturas completamente diferentes que se retratam na personagem principal, Xixo, através das suas interpretações simples, do seu sorriso e da sua ingenuidade, contrapondo-se à civilização ocidental onde estão presentes a malícia, a individualidade, a tristeza, a frieza…
            No alto de uma montanha, de onde se pode deliciar com a observação de um imenso manto branco de nuvens a perderem-se no horizonte, encontra-se Xixo, por assim dizer, no local onde vivem os deuses e onde terá a oportunidade de lhes entregar o objecto da discórdia (afinal, aceitar o que é diferente não é fácil…). E, assim acaba o filme, com Xixo a fazer passar uma imagem de paz e de ordem. A garrafa de coca-cola, que caiu na cultura daquele povo, representou como a nossa cultura, a ocidental, vive tão apegada àquilo que é fútil, passageiro, fragmentado…
            Um momento lúdico que nos ajuda a reflectir sobre a relatividade cultural, as consequências da aculturação e a enfrentar os inquietantes desafios do futuro!!

                                                                           Joana Pereirinha  12.º A

2 comentários:

Raul Pereira disse...

Peço desculpa por estar a introduzir este comentário num post correspondente ao filme "Os Deuses Devem Estar Loucos". Algo que sempre me suscitou curiosidade foi o nome da revista, porquê "Katársis"? A palavra "Katársis" de origem grega significa, apesar dos seus diferentes contextos "purgação", "evacuação" e entre outros "purificação". Será por a filosofia ser uma espécie de purificação da alma, onde usamos o pensamento e o raciocínio de forma digamos que "útil". Ou será mais enquadrado com as palavras "purgação" e "evacuação" onde a revista funciona como um meio de difundir ideias e usá-las de maneira sensibilizadora sobre os leitores?

Hermes disse...

Ainda bem que és um leitor atento Raul. Katársis é usado no sentido de libertação. A reflexão liberta-nos. Do quê? Da ignorância, por exemplo, do seguidismo, da intolerância, do preconceito. O conhecimento torna-nos espiritualmente livres. Conto que tenhas esse estado de espírito.