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quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

KRAMER VS. KRAMER

            Este filme é o retratar da sociedade actual, em que muitas vezes se verifica um casamento de aparências que resulta numa família disfuncional. Traço vincado de relações familiares distantes, aliado à falta de paciência para saber ouvir o próximo e a não superação dos problemas em conjunto como verdadeiras famílias o fazem são características interessantes deste filme.
            Ted Kramer, um publicitário de sucesso que vive para o trabalho e para a subsistência da família, apresenta uma noção de pai e de família um tanto ao quanto deslocada da realidade ou mesmo errada, onde a família está em segundo plano, estando sempre na linha da frente o trabalho, não se verificando a partilha de uma vida e dos problemas que vão surgindo nesta com o resto da família. Tudo isto muda a partir do momento em que a mulher, Joanna Kramer, decide sair de casa devido ao facto de se sentir incompreendida e de estar farta da vida desmotivante que levava. Fica então a cargo do pai o tomar conta do filho.
            Ted, sem noção alguma do que era a lida doméstica e o tratar de um filho, primeiramente desorientado acaba por se adaptar, aprender e mudar o seu estilo de vida. Na verdade, o facto de Ted nunca se ter dedicado verdadeiramente ao seu filho fez com que, em diversas situações, tratasse o filho como se fosse um objecto não tendo a noção disso, por exemplo no dia em que foi pela primeira vez levar o filho à escola. Foi devido a diversos factores e estímulos que se induziu, neste pai, a mudança das suas atitudes e prioridades.
            Fica, então, em primeira fila, e pela primeira vez, o seu filho e para segundo plano o trabalho que posteriormente acaba por perder. Com um filho a seu cargo e com uma vida pela frente, é necessidade urgente arranjar emprego, até porque, Joanna, após bastante tempo afastada do filho, volta com a intenção de levar consigo o seu filho.
            Com a determinação do que queria para o futuro Ted não descansa enquanto não arranja emprego ficando a ganhar, no entanto, substancialmente menos do que ganhava no emprego anterior.
            Já no tribunal disputa-se a guarda do filho, Billy Kramer, pelos pais. Primeiramente é interrogada Joanna, sendo esmiuçadas todas as suas relações fracassadas que se prolongam até à actualidade. Posteriormente é interrogado Ted, sendo igualmente destacados aspectos negativos da sua vida. No final o tribunal acaba por dar a guarda de Billy à mãe, que, após ter reflectido sobre os efeitos negativos que aquela mudança iria ter para o seu filho, acaba por deixar o filho ficar com o pai, visto a relação destes ter-se acentuado bastante, tendo atingido um patamar de estabilidade e de grande envolvimento afectivo.
            O desenvolvimento humano pressupõe determinadas fases, nomeadamente a passagem à idade adulta, momento marcado por grandes experiências no campo mental, emocional e comportamental que influenciam a nossa vivência diária. É de esperar que a idade adulta seja uma definição no campo profissional e social que promova estabilidade financeira e emocional, e acima de tudo uma maior maturidade para encarar as diversas situações da vida, isto é, a responsabilidade, e a independência. No entanto, a vida adulta, para que seja equilibrada, terá de ter de ser antecedida por relações precoces de qualidade que dêem ao indivíduo determinadas competências em diversas áreas, nomeadamente na área emocional e comportamental (imaturidade do ser humano). Com o desenrolar do filme apercebemo-nos que Joanna, a mãe de Billly, soma uma vida de fracassos emocionais e nas relações com os outros. No entanto, não serão estes fracassos o reflexo de relações precoces anómalas? Na verdade, há a necessidade de umas boas relações precoces desde cedo, para que se proporcione sentimentos de confiança e segurança, para que no futuro se tenha uma vida equilibrada.
            A viverem um casamento disfuncional, talvez devido a más relações precoces por parte de ambos os elementos do casal, pois são as relações precoces que têm um papel fundamental na construção de relações com os outros e na construção do eu psicológico. E neste último aspecto, é bem claro que Joanna teve, durante a sua infância, relações precoces anómalas, isto porque, na altura em que ela saiu de casa mostrou, a meu ver, um pouco de fraqueza para enfrentar os problemas não tendo ainda pensado nas consequências. Pois sendo ela o ponto de abrigo e segurança do filho, também devido à relação distante do pai, é óbvio que esta separação repentina teria efeitos bastante negativos para o filho.
            Em relação a Ted, com algum custo, acabou por conseguir exercer correctamente o seu papel de pai. No entanto, na fase inicial foi bastante visível a dificuldade em lidar com o filho.
            Já em relação a Billy coloca-se a seguinte questão: de que forma é que uma relação familiar instável, distante e depois o divórcio dos pais afecta e afectará Billy no contexto social? Será que já não se estavam a repercutir as consequências do efeito daquele ambiente familiar e daquelas relações precoces?
            A meu ver são inúmeras as consequências deste ambiente e em especial do divórcio. Sendo com Joanna que Billy se costumava relacionar e com quem estabelecia preferencialmente relações, pois na verdade o pai só se preocupava com o trabalho, o divórcio dos pais e em especial o afastamento repentino da mãe, terá sido um marco bastante negativo na vida de Billy. Todos estes factores tiveram consequências negativas para Billy e para o seu desenvolvimento, nomeadamente do eu psicológico. Por exemplo, o facto de Ted e Billy terem um grande distanciamento fez com que este não visse, no início, em Ted uma figura de autoridade e ao mesmo tempo não reconhece nele as características que reconhecia na mãe, enquanto agente paternante, fez com que Billy algumas vezes desautorizasse Ted, nomeadamente quando Billy não queria jantar e disse que ia buscar o gelado, mesmo ao fim de Ted lhe ter dito que não, ele foi buscar na mesma. No entanto, pondo de parte estes pequenos indícios, apercebemo-nos também de uma certa perturbação já por ele apresentada, nomeadamente a culpabilização dele próprio pelo facto de a mãe se ter ido embora, sendo já isto um reflexo do divórcio de ambos.
            A existência de relações precoces equilibradas, e de preferência no seio da tríade é da maior importância, pois a existência de um divórcio na vida de uma criança poderá ter bastantes consequências negativas para as crianças, pois é através das relações precoces e das vinculações que estabelecemos com a nossa família mais próxima que nos permite o equilíbrio psicológico e a capacidade para estabelecer relações com outras pessoas. A existência de um divórcio na vida de uma criança pode, mais tarde, resultar na incapacidade de também ela construir uma relação com outra pessoa e ainda estabelecer correctamente as relações precoces que os eventuais filhos precisarão.
Rúben Silva

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