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sábado, 24 de janeiro de 2009

Haverá algo de moralmente errado em abortar?


NÃO
O problema do aborto é controverso, intemporal, religioso e moral. Atravessa gerações, países, classes sociais. Foi tema de conversa no café, de discussão na Assembleia e de votação num referendo. Aborto: haverá algo de moralmente errado em abortar?
Para responder a estas e mais questões, elaborei o presente ensaio que visa argumentar e defender a minha posição face ao problema. A um problema que diz respeito a toda a gente, a um problema sobre o qual a maior parte das pessoas desconhece as leis e as verdades. Um problema onde existirão sempre dois lados, duas opiniões, dois modos de julgar.
Quem vê realmente algo de moralmente errado em abortar recorre, habitualmente, aos seguintes argumentos:
· a afronta que o aborto representa à dignidade da pessoa humana, considerando que, ao feto, é atribuída uma “alma” no momento de concepção, e portanto, abortar é um assassínio, um pôr termo à vida de um ser humano;
· o direito à vida. A maioria dos opositores concorda com o aborto em caso de violação da mulher, por ser a única circunstância em que a responsabilidade da gravidez não é sua.
Eu não acho que haja algo de moralmente errado em abortar. Não me acho capaz de cometer tal acto, mas não censuro quem o comete. Por vezes, acaba por ser melhor não ter uma criança, que sujeitá-la a um mundo onde ela ia sofrer. A mulher, melhor que ninguém, sabe as condições que tem para sustentar e educar aquela criança. Moralmente errado é ter filhos e espancá-los, abusar sexualmente deles, matá-los, explorá-los. Isso sim, é moralmente errado.
Se virmos por exemplo o argumento seguinte defendido pelos opositores - o feto é, em potência, um ser humano; todos os seres humanos têm direito à vida; logo, o feto tem direito à vida – é fácil constatar que estamos em presença de um mau argumento. O argumento em questão foge à questão. Em discussão está a segunda premissa, e por isso não podemos incluí-la num argumento. Se um ser tem potencialmente um direito, é falso que tenha, efectivamente, esse direito. Enquanto aluna desta escola sou potencialmente presidente da associação de estudantes; mas isso não me dá os direitos do presidente da associação de estudantes. Esta objecção acaba, também ela, por fugir à questão. Se o feto tivesse direito à vida desde a concepção, seria escusado falar-se de estatuto de potencialidade.
Se uma criança quando nasce tem direito à vida, e sabendo que não há grande diferença entre a criança dois minutos antes de nascer, e acabada de nascer, o direito é o mesmo. E, pelo mesmo raciocínio, teria o mesmo direito quatro minutos antes de nascer e assim sucessivamente até ao momento da concepção. No entanto, este argumento é falacioso. Utilizando um argumento análogo temos: o Manuel não é careca; o André tem menos um cabelo que o Manuel; logo, o André também não é careca. O Joaquim tem menos um cabelo que o André; logo, o Joaquim não é careca. Chegando ao caso do João, que não tem qualquer cabelo na cabeça. Ao dizermos que o João também não é careca, estamos a ser consistes, mas, no entanto, isso é falso.
Mesmo havendo pessoas que se encontram no limiar do careca ou com cabelo, há pessoas carecas ou não carecas. Assim sendo, o facto de um recém-nascido ter direito à vida, não implica que um feto de um mês também o tenha.
Os defensores do aborto, deparam-se sempre com um enorme problema: argumentar, perante os opositores que um feto não é um ser humano, mas um recém-nascido já o é.
Há várias fases que servem de critério, sendo os mais comuns: a concepção, a implantação, a forma humana, a aceleração, a actividade cerebral inicial, a actividade organizada do córtex cerebral e a viabilidade.
Um recém-nascido tem algo em comum com um adulto, e daí terem ambos direito à vida. Então, o que tem o zigoto em comum com um adulto e com um recém-nascido, que lhe permita ter direito à vida? Pois, além do fraco argumento da potencialidade, usado pelos opositores do aborto, não encontro outra maneira de mostrar que o zigoto tem direito à vida.
Entre o sexto e o oitavo dias, ocorre a implantação em que o feto se “agarra” às paredes do útero. No entanto, a implantação nunca pode ser o critério correcto. O que é que existe ao sexto dia que não exista no quinto? Embora ocorram alterações hormonais no corpo da mulher, a importância a nível moral de tal fenómeno não é bem clara.
A forma humana é adquirida pelo feto por volta das seis a oito semanas. Será que tendo o feto a forma humana passa a ter direito à vida? Será que se eu der uma forma humana a um elefante, ele passa, apenas por causa disso, a ter direito à vida? Não. Se já não o tinha antes, não é agora que vai passar a tê-lo.
Será que na altura em que a mãe começa a aperceber-se dos movimentos do feto (16/17 semanas), este passa a ter direito à vida, com base nos laços que se criam entre os dois? A mim, este parece-me um mau argumento. Se o feto não tem direito à vida quando começa a mexer-se, também não deve começar a tê-lo quando a mãe sente esse movimento.
A actividade cerebral inicial mais não é que a presença de actividade eléctrica naquilo que virá a ser o cérebro. Inicia-se normalmente por volta das 6/10 semanas. No entanto, é, por si só, um dado irrelevante.
Às 30 semanas de gestação, o feto começa a ter actividade organizada do córtex cerebral. Nesta altura, estabelecem-se ligações entre as células, que até aqui eram “pequenas ilhas” sem comunicação entre elas. A partir desta altura o feto começa a pensar e a ter consciência, algo que o relaciona com o adulto humano e com o recém-nascido. Na minha opinião, é nesta fase que o feto começa a ter direito à vida.
Viabilidade é o nome que se dá à altura em que o feto é capaz de sobreviver fora da barriga da mãe, ainda que com recurso a assistência e cuidados médicos, e acontece entre as 20 e as 23 semanas. Há quem defenda que é nesta altura que o feto passa a ter direito à vida, pois já não precisa da mãe. Mas sabendo que a altura de viabilidade está directamente relacionada com a qualidade da tecnologia disponível, este argumento tem fragilidades. Quer dizer que, futuramente a viabilidade pode passar a ser mais cedo, logo o feto tem direito à vida mais cedo?
Por tudo isto atrás explicitado, não consigo achar moralmente incorrecto alguém abortar. Porque mesmo que se considere que o feto tem direito à vida desde o momento de concepção, e recorrendo a um argumento de Judith Thomson “mesmo que os fetos humanos tenham o direito moral à vida, o aborto é eticamente permissível, já que o direito moral à vida não implica o direito a beneficiar do corpo de outrem para assegurar a própria vida.” Mas sem querer entrar em campos mais sensíveis, acho que há argumentos bons e argumentos maus para ambos os lados, mas os argumentos que sustentam a opinião de que abortar não é moralmente errado, trazem mais benefícios para todos. Cada pessoa deve ser capaz de tomar as suas decisões, sem estar sob a pressão da censura de que vão ser alvo. Até porque eu acho que, mesmo concordando com a minha tese, quem faz um aborto, nunca fica de consciência tranquila, talvez por motivos que ultrapassam a simples opinião.

Francisca Pinhão, 10ºB nº 16

1 comentário:

Portal Cristão disse...

O texto está bom, parabéns.
Agora vamos aos problemas :).
"Às 30 semanas de gestação, o feto começa a ter actividade organizada do córtex cerebral. (...) A partir desta altura o feto começa a pensar e a ter consciência, algo que o relaciona com o adulto humano e com o recém-nascido. Na minha opinião, é nesta fase que o feto começa a ter direito à vida."
Este é um campo perigoso. Mais um passinho e os doentes mentais, portadores de Alzheimer, Parkinson, pessoas em coma, etc etc etc. também não são humanos. Eles não têm os mesmo direitos éticos e legais atribuídos a ti e a mim?

Bem, eu defendo a concepção como início da vida humana. O zigoto não é um ser humano em potência, É um ser humano. Já tem toda a informação que permite que o chamemos e tratemos como ser humano.

"Enquanto aluna desta escola sou potencialmente presidente da associação de estudantes; mas isso não me dá os direitos do presidente da associação de estudantes."
Repara: és aluna e podes ou não tornar-te presidente da AE (é uma escolha tua candidatares-te).
O zigoto VAI tornar-se (se não for impedido) num homem ou numa mulher. Está completo, só precisa crescer, tal como uma criança de 2 anos precisa crescer para ser um adulto.

Quem marca o limite, qual a diferença entre criança nascida e não nascida?

Um abraço,
Joana