Pesquisar neste blogue

segunda-feira, 29 de março de 2010

JORGE LUÍS BORGES - NO LABIRINTO DAS PALAVRAS ii



«Sempre imaginei o paraíso sob a forma de uma biblioteca» declarou Borges numa conferência de 1978, dedicada espantosamente à cegueira – a sua e a de valores tão duradouros da literatura como Homero, Milton, James Joyce. Curiosa afirmação para um escritor obrigado a ditar os seus textos e que à cegueira dedicou textos admiráveis, considerando-a esse «lento crepúsculo» que durou cerca de meio século e «o resultado de um destino» intensamente assumido e com valor significante no seu universo literário.
Muitas outras páginas e conferências preciosas consagraram Jorge Luís Borges a um tema que lhe era verdadeiramente consubstancial: o culto do livro, sem o qual dizia não imaginar a vida e, para si, «não menos íntimo do que as mãos ou os olhos». Ao livro, classifica-o como «extensão da memória e da imaginação», acontecimento estético carregado de passado, lugar e objecto de felicidade.
Leitor ávido, nascido e criado em casas onde havia vastíssimas bibliotecas, viveu profissional e academicamente rodeado de livros que continuou a adquirir, coleccionar e amar mesmo quando já cego. À sua relação com os livros, as enciclopédias, os escritores e as bibliotecas voltou Borges literariamente inúmeras vezes. A título de exemplo, lembro duas conferências - “O Livro” e “Cegueira” – e os celebrados contos “A Biblioteca de Babel” e “Pierre Ménard, autor do Quixote”, onde espelhos disseminados pelas salas duplicam estantes labirínticas e a reescrita de textos consagrados, elevada à condição de sistema de escrita, metaforicamente cria o dédalo que é, de novo, o livro.
O «homem-livro ou antes o homem-biblioteca», como lhe chamou o autor francês Jean Pierre Bernés parece, assim, querer dar-nos com esta veneração literária pelo labirinto/biblioteca a imagem do cosmos, da vida em-si ou, diz-nos Eduardo Prado Coelho, para Borges a biblioteca - espécie de representação mítica do conjunto da sua obra - «tornar-se-á igualmente o símbolo do infinito da própria literatura, onde todas as palavras são convocadas para dizerem aquilo que escapa a todo o dizer».

Professora Dulce Martinho

Sem comentários: