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segunda-feira, 3 de maio de 2010

NÃO HÁ ÚLTIMAS PALAVRAS


Março, dia 5 do ano 2000! Um algoz terminou a sua infernal cavalgada e alojou, no mais fundo de mim, a Dor Absoluta. O corpo da alma, em carne viva, transformou-me na mais férrea cripta de mim mesma. Não era apenas a morte. Era a sua morte. Nenhum dos meus beijos foi correspondido e depois, todas as palavras que lhe disse em vida, pareciam não perturbar esse sono petrificado. No manto da terra que tanto amámos, jaziam as solidões inteiras de todas as outras palavras que não dissemos.
Amordaçada por gestos incoerentes, ceifada das lágrimas que os olhos boquiabertos não libertavam, a Dor não tinha porta de saída. Lembro-me de alguém dizer "Chore, menina! Chore! Mas todas as colinas negras estenderam seu manto sobre mim, as serras cansadas enevoaram-me qualquer possível despertar...
E enquanto houver árvores a secar, braços a pedir abrigo, náufragos de todos os afectos, rios de medos e mortos apenas soprando vida, não haverá últimas palavras. Continuará esse voo aceso de palavras ardentes, que misteriosas aves levarão até si, formando um reino onde o som será coroado.

Margarida Xavier de Sá, As Nascentes do Fogo, Tipografia Guerra, Viseu