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sexta-feira, 2 de abril de 2010

BORGES E OS LIVROS



Falar de Jorge Luís Borges é falar de livros, de bibliotecas, de labirintos, de ficções, de imaginação e enigmas. Os livros foram parte essencial da sua vida marcada pela cegueira, não tanto pelos que escreveu, mas sobretudo pelos que leu. O famoso “bibliotecário” argentino deixou uma extensa obra, da qual destacaria a parte ficcional e os poemas, que são autênticas obras de arte. O texto que se segue é-lhe dedicado.
O livro, a obra literária, é, muitas vezes, uma verdadeira obra de arte. Este possibilita inúmeras leituras diversas, entradas, saídas, sem contudo se deixar aprisionar. É através dele que o autor partilha o seu modo de experienciar o mundo e a sua vida, que comunica aos homens o seu pensamento e o seu sentir, usando uma série de características próprias, uma arte de combinações possíveis, de fórmulas, de enigmas, uma certa estratégia, pelas quais se apresenta ao jogo da imaginação fecundante e activa dos leitores. Como afirma Bronowski: “O artista cria a obra, mas o espectador recria-a.”
O livro encerra em si mesmo uma reflexão, imaginação e interrogação sobre as possibilidades oferecidas a um discurso consigo mesmo, evocando quase sempre uma “máscara”do real ou do imaginário, dentro de uma harmonia ou fio condutor estabelecido pelo autor. Por conseguinte, ele escolhe os seus leitores, uma vez que detém em si uma pregnância distinta, um dado modelo, uma ontologia própria e, acima de tudo, revela uma harmonia que se refere a traços marcantes do seu autor e do seu pensamento. Com efeito, a obra literária tem sempre algo de individual, particularidades intrínsecas ao autor, revelando ao mesmo tempo sempre algo enigmático e, contudo, “sobrevivendo” à interpretação que pretende obter uma resposta final. Ao resistir o enigma mostra a sua virtude, pois permite renovar sempre uma nova resposta e, neste sentido, o livro é paradoxalmente: revelação e enigma.
Diz Umberto Eco que “os livros falam sempre de outros livros e qualquer história conta uma história já contada”, dado que o autor procura constantemente reinventar algo sobre os livros já existentes (Pierre Ménard em Borges) pois a criação torna-se imprescindível quer ao seu desenvolvimento quer à sua felicidade; poder-se-ia dizer até que o livro afigura-se como uma das possibilidades de satisfação, realização ou equilíbrio concedida, e do mesmo modo que a pintura é a arte de proporcionar a alegria com forma e cor, também a escrita pode ser mirada por outra via, isto é, como forma de prazer e alegria onde a biblioteca é uma espécie de câmara mágica onde todos os sonhos são permitidos. A felicidade será o sentimento que o livro desperta no leitor e que no fundo poderíamos chamar, tal como Borges: o momento estético.
Os livros são essencialmente expressivos, parecem querer dizer-nos algo, como que procuram desdobrar-se para se tornarem sensíveis à nossa captação, ao nosso sentir. No entanto, para haver captação é fundamental a compreensão da linguagem do texto, pois sem ela tornam-se numa forma vazia e desinteressante e não a fonte de onde brota ou faz brotar prazer de um modo quase ilimitado, sublime, que nos vai proporcionando vários tipos de contentamento.
Os livros são, de facto, extremamente importantes, todavia, essa importância só tem sentido na medida em que existe o leitor, pois ele é indispensável, uma vez que a sua existência e consequentemente o seu valor só começa quando o leitor os abre e os lê. Além disso, seria absurdo pensar que o livro seja muito mais do que um simples livro. Este exige o leitor e é esta relação de cumplicidade que o vai tornar ilimitado, remetendo para uma infinita possibilidade quer de leituras, quer de novas ideias. A minha leitura de uma obra literária não é certamente igual à de qualquer outro leitor, uma vez que a cultura, as vivências e experiências de cada um modificam o nosso modo de ler o mundo. Por conseguinte, um livro é assumidamente um projecto inacabado que é essencialmente produção e nuca um produto.
O homem e os livros mantêm desde há muito uma relação de cumplicidade ou mesmo de necessidade. Porém, nesta era das novas tecnologias, talvez seja altura de questionar se ainda são companheiros inseparáveis e se para o homem actual é inimaginável viver sem livros! Para mim, o livro continua a ser uma espécie de respiração do espírito, da inteligência, da criatividade e mantém-se como representação da memória do nosso passado e condição de preservação da nossa cultura e desenvolvimento.
Diz-se que todo o homem tem como desejo íntimo escrever um livro ou realizar uma obra de arte e convenhamos que “não há arte sem homem, mas talvez não haja homem sem arte”, como afirmou René Huyghe. Isto poderá significar duas coisas: o seu desejo de imortalidade através da realização da sua obra e a procura da felicidade como desejo natural do ser humano.

“Ser feliz é reconhecer-se a si na obra feita.” – Hegel

Professor Jorge Marques

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