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quarta-feira, 21 de abril de 2010

OS PORTUGUESES TAMBÉM FILOSOFAM


Quando se encara o panorama da Cultura Portuguesa, dificilmente se alcança a presença da filosofia, sobretudo quando comparada com a força de outras manifestações, nomeadamente da poesia e da literatura. A que se deve essa situação?

Naturalmente que não venho aqui fazer a apologia da minha arte, mas não será difícil compreender que a audiência e a repercussão pública da filosofia, tal como é comummente entendida, seja qual for o seu valor intrínseco, dificilmente consegue ombrear com as disciplinas que enumerou. A identificação entre um leitor e uma obra literária é por vezes mais imediata do que com uma obra de filosofia, no sentido em que eu posso apreciar, até um determinado grau de profundidade, um romance ou uma obra poética sem ser especialista em teoria da literatura, sendo também certo que o domínio da teoria literária me abre novos e mais ricos horizontes de compreensão.
O mesmo já não sucede com a filosofia, onde se requer, em qualquer caso, o domínio de um conjunto alargado de textos, a que por comodidade chamaria "clássicos", pois grande parte do universo da filosofia gira em torno de um diálogo sobre um leque de questões que vão merecendo abordagens sucessivas ao longo da história, e daí a importância do domínio dessa mesma história.
Caberia talvez, exemplificar, para que me não limite a abordagens em abstracto. Veja-se o caso de Antero de Quental. Como é possível compreender o que quer que seja da sua prosa filosófica - fixando-nos por enquanto apenas na prosa - sem ter lido Hegel, Kant ou Leibniz? Seria uma espécie de viagem perdida! Mesmo no caso do nosso iluminismo da segunda metade do século XVIII, não se compreendem minimamente as suas propostas e conteúdos doutrinários sem dominar todo o universo a que pretendeu opor-se, o qual emana do aristotelismo escolástico da Companhia de Jesus. Veja-se, para terminar, o ensaísmo filosófico de António Sérgio, cujo o núcleo nos escapa sem luzes de geometria e um pouco de epistemologia da matemática... Tudo isto para dizer que importa, no campo específico da filosofia, um percurso paciente e constante de formação intelectual, que, uma vez alcançado, num determinado grau de maturação, não é menos fascinante, levando-nos inclusive a compreender a afinidade e a proximidade entre a filosofia, a literatura e a poesia, para citar as que nomeou na sua questão.
Parte de entrevista de Esmeralda Serrano a Pedro Calafate

Filosofia pela Rádio, Colecção Philosophica - Debates, Edição Antena 2, Lisboa - 1998

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